Olá pessoal, como vão? Ano acabando, últimas leituras saindo e estamos aqui para mais uma resenha. O livro de hoje é um daqueles que nos faz pensar muito sobre suas qualidades e defeitos, tudo aquilo que ele é e o que poderia ter sido. O refúgio, livro de estreia de Mick Kitson.
O livro nos apresenta Sal, uma menina de 13 anos que desde os 10 sofre com abusos sexuais, o que tirou sua infância para sempre. E agora ela quer fazer de tudo para que a irmã mais nova, Peppa, não passe pelo mesmo que ela passou. Para isso, ela se prepara minuciosamente. Meses de planejamento, aprendendo tudo sobre sobrevivência, como caçar, fazer fogueira, montar acampamento. E em certo dia, depois de um último ato para lhe dar um mínimo de alívio por tudo que sofrera, ela e a irmã deixam tudo para trás, em busca de refúgio em uma floresta da Escócia, longe de tudo e somente com a natureza as acolhendo.
Eu confesso que O refúgio é um livro que me deixou bastante dividido ao longo de sua leitura. Passa longe de ser o que eu esperava, mas possui ótimos momentos ao mesmo tempo em que desperdiça o potencial de nos contar uma história sensível e poderosa.
Os cinco primeiros capítulos talvez tenham sido os mais complicados para mim, por conta de uma escolha narrativa que pouco me prendia e mal criava qualquer conexão com as personagens. Talvez exagerando um pouco na estimativa, chuto que uns 70% desse início não passa de um manual de sobrevivência. Quando eu achava que finalmente a coisa ia engrenar, lá vinha o autor trazendo mais uma explicação sobre anzóis, construção de abrigos, e infinitos trechos de propriedades isolantes de folhas e madeiras.
Tudo isso do ponto de vista de Sal, o que na minha opinião criava ainda mais dificuldade em uma identificação rápida com a personagem, por mais que saibamos tudo pelo qual ela vinha passando. As poucas passagens que nos contavam mais sobre a protagonista e sua irmã eram rapidamente engolidas pelo manual de sobrevivência.
Felizmente o ritmo melhora um pouco e Mick Kitson dá o devido espaço para deixar suas personagens respirarem. Quando isso acontece, temos belas passagens descritivas da natureza, momentos que nos contam sobre a relação próxima das irmãs ou os últimos acontecimentos que as levaram para a situação atual. Sal fez tudo o que fez para proteger a irmã do padrasto, que ela matou antes da fuga, garantido que a mãe, alcoólatra, não fosse incriminada pelo que ela fez.
Sal por si só é um caso interessante e impressionante. É uma personagem forte, sensível, decidida, sabe o que quer fazer, tem seus medos, ataques de pânico quando se vê em situações inesperadas. Ao mesmo tempo é capaz de atitudes impressionantemente frias, como o já citado assassinato do padrasto; chega até mesmo a apontar uma arma para a própria mãe em uma situação que não especificarei. Assim como especulações que vi pela internet, imagino que ela deve sofrer de alguma síndrome, mas é algo que sempre está nas entrelinhas, mas nunca confirmado pelo autor.
Há ainda espaço para a apresentação de uma nova personagem, Ingrid, que vive na floresta e passa a ajudar as meninas na sobrevivência. Também temos espaço o suficiente para conhecer sua história e como ela chegou ali.
Mas falta algo. O autor praticamente não se arrisca em dar um tom mais sensível à obra, em qualquer contexto que seja abordado. A relação entre as irmãs é bonita, Peppa é a luz de Sal, mas faltou mais disso. Faltou mais sentimento em relação a tudo pelo qual a protagonista passou.
O potencial desperdiçado de ter em mãos uma protagonista tão interessante em uma narrativa que não faz jus ao que prometia é decepcionante. Ainda assim os bons momentos e a escrita simples de Mick Kitson, ainda que nem sempre objetiva, faz de O refúgio uma boa leitura que poderia ser ainda melhor.
Autor: Mick Kitson | Editora: Intrínseca | Páginas: 320 | Ano: 2020 | Tradução: Fabiana Colasanti
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