[RESENHA] Piano Mecânico

Estou de volta! Semana passada trouxe minha primeira leitura de Kurt Vonnegut e hoje trago a segunda, que é o primeiro livro escrito pelo autor. Será que ele já tinha as ideias afiadas para trazer situações que até hoje dialogam com nosso mundo? Vamos para a resenha.

Em uma realidade distópica que não é tão absurda, pós Terceira Guerra Mundial, as máquinas enfim começam a dominar nossa realidade. Praticamente tudo passou a ser totalmente automatizado e as pessoas começaram a perder seus empregos e ficar sem propósito na vida. Como se não bastasse, após a guerra, o controle social alcança grandes patamares e um novo sistema de divisão de classes toma lugar.

O dinheiro passa a não ditar totalmente as regras. Os mais privilegiados nesse mundo controlado por máquinas tem uma outra coisa muito importante: Inteligência. O QI e capacidade intelectual de cada indivíduo são medidos e aqueles que são abastados com essas características tem uma vida confortável, enquanto aos demais resta apenas o esquecimento.

A premissa de Piano Mecânico chamou minha atenção logo de cara. E aos poucos a leitura vai se revelando ainda mais conectada à nossa realidade, principalmente no sentido do quanto as máquinas começam aos poucos ditar algumas regras em nossa sociedade.

Acompanhando Paul Proteus, do alto escalão das Indústrias Illium vamos vendo como somente os inteligentes ainda possuem alguma capacidade de sentirem-se úteis em alguma coisa. E quando confrontado pela dura realidade dos esquecidos, Paul passa a enxergar que toda essa realidade dividida está novamente por um fio.

É assustador como grande parte de Piano Mecânico é extremamente atual. A começar pela sensação de impotência das pessoas diante do domínio das máquinas em nossas vidas. Aos poucos nosso poder de escolha vem sendo dominado por algoritmos e, claro, máquinas tirando o emprego de alguém que agora se vê sem uma perspectiva imediata do que fazer agora.

E aqui eu trago o grande ponto de virada nesta narrativa, ao menos do meu ponto de vista: A ideia de Piano Mecânico não é fazer somente uma crítica ferrenha ao domínio da tecnologia em nossas vidas, mas sim a ideia, nesta realidade distópica, de que tudo isso é em busca do conforto.

Com texto direto, afiado e tiradas bem humoradas, Kurt Vonnegut inicia sua trajetória literária que discute muito mais o papel das pessoas em sua realidade, suas ideias, o que elas buscam e como elas agem diante das situações apresentadas. Os cenários montados, da guerra ao domínio das máquinas, são o gatilho para tornar suas narrativas possíveis, mas não são meramente planos de fundo. Em Piano Mecânico a grande busca é entender se toda essa tecnologia controlando vidas é realmente necessária.

Quase 70 anos após sua estreia, esta já é uma leitura fundamental para os dias atuais. O timing da republicação de Piano Mecânico com as discussões acesas novamente por produções como "O dilema das redes" é certeiro e o livro é imperdível.

Espero que tenham gostado e até a próxima!

Autor: Kurt Vonnegut | Editora: Intrínseca | Páginas: 496 | Ano: 2020 | Tradução: Daniel Pellizzari