[RESENHA] Cira e o Velho

Autor: Walter Tierno
Editora: Giz Editorial
Páginas: 232
Ano: 2010
Classificação: 5/5
Cobra Norato é um amante da vida. Pelas margens dos rios, espalhou paixões, filhos e filhas. Uma delas é Cira, que nasceu do ventre da bruxa Guaracy.
Sua alegria de viver é tão intensa quanto seu ódio pelo homem que a deixou para morrer: o Velho.
Domingos Jorge Velho é um caçador de homens. Ele toma a liberdade dos índios e a entrega aos brancos do além-mar. É um guerreiro, sem oura fé além do ouro e da propriedade.
Cira caminha pelo país que surge, que é desbravado e desmatado. Ela persegue o rastro de Domingos.
Em Palmares, os inimigos se enfrentarão e, nessa guerra, se descobrirá quem é o proprietário do novo mundo.

Sabe aquela falta que se tem de história de autores brasileiros que realmente prendem o leitor? Sinceramente, acho que ela mal existe hoje. Nossos queridos autores nacionais conseguem cada vez mais fazer com que mergulhemos em leituras deliciosas, impossíveis de se parar, com personagens sensacionais, ambientações perfeitas e uma imersão sem tamanhos. Todos esses fatores estão permeando muitos dos livros lançados por nossos autores ultimamente e uma dessas obras é Cira e o Velho, de Walter Tierno, um livro de fantasia no nível de grandes autores internacionais e mais tudo aquilo que acabei de falar ali em cima. Não acreditam? Então leiam a resenha e depois tratem de procurar a leitura, pois não vão se arrepender.

Cira e o Velho vai contar a história da busca por vingança de Cira, uma bela mulher, guerreira, bruxa, descendente de uma linhagem antiga das sereias. A narrativa se passa em dois períodos históricos diferentes. O primeiro, é o dos tempos atuais, onde um homem está à procura de saber mais história sobre Cira, que ele conhece somente por uma antiga figurinha de álbuns, mas que fica fascinado por ela desde o momento que viu sua imagem naquele pedacinho de papel. Ele então parte em busca de pessoas que ele sabe que conhecem a história de Cira, com o objetivo de saber cada vez mais sobre aquela mulher que ele nem sequer conhece, mas que exerce nele uma certa dose de atração. É ele quem nos conta toda a história, por meio de tudo que ele descobre ao ouvir sobre os feitos da protagonista guerreira.

O segundo período histórico do livro é no passado, em uma época em que, fazendo um paralelo, ainda existia o Quilombo dos Palmares. Ainda assim, parte da história se dá alguns anos bem antes desse período, anos esses que são aqueles que vão formando a linha da história de Cira, até culminar no assassinato de sua mãe, a bruxa Guaracy, pelas mãos de Domingos Jorge Velho. 

Essa é só uma parte de uma história que é povoada por personagens que formam o folclore brasileiro. Um mundo de seres fantásticos que toma vida de uma forma muito realista, em uma narrativa que nos faz perder o fôlego em muitos momentos. Walter Tierno soube dosar muito bem todos os elementos que ele escolheu para colocar na história. Tudo estava na medida certa, desde o começo. Cada pequeno detalhe não deixou de ter seu momento de holofotes dentro do livro.



Os personagens são, sem dúvida alguma, um dos maiores pontos fortes do livro. Cira, é facilmente uma das personagens femininas mais bem construídas dessa nova fase que a literatura brasileira vem construindo. Forte, decidida, mas sem deixar de ser mulher, com toda a sensualidade que ela possui, devido a sua linhagem de sereia. O pai de Cira, Cobra Norato, guerreiro, praticamente invencível, decidido e paciente. Domingos Jorge Velho, a personificação do mal e da ganância, faz tudo por dinheiro. Não poupa esforços para conseguir seus objetivos, principalmente o seu maior, matar Cira, que logo tornou-se uma grande ameaça para ele. A mãe de Cira, Guaracy, uma bruxa, que até seu último momento de vida, lutou para proteger a vida de sua filha, sendo necessário até mesmo conjurar magia antiga e proibida, para evitar que sua Cira morresse. Nhá, pequena amante do pai de Cira, acompanhante da protagonista em sua busca de vingança, andando por vários lugares do Brasil, além de ser uma das personagens que conta sua história e a de Cira para o homem misterioso que quer conhecer mais da história de Cira. Maria Caninana, irmã de Norato, que, enquanto o irmão é bom, ela é outra personagem cruel e, é ela, com seus planos malignos, que dá início a toda a intriga que envolve a trama.

Não posso esquecer de maneira alguma os personagens folclóricos. Um Curupira, viciado no fumo. Os Animais-Reis, que conseguem se comunicar com os humanos e que são responsáveis por transmitir mensagens e até mesmo manipular o que acontece, de acordo com as informações que eles possuem. Eles são parte importante da trama. Os Mboitatás, as sereias e muitos outros.



Eu gostaria muito de falar coisas importantes sobre a história, principalmente do começo, mas aí iria ser spoiler atrás de spoiler. O ritmo do livro é incrível e acontece tanta coisa que, como eu já disse, é de tirar o fôlego. Cira é uma das grandes responsáveis por manter o livro em um ritmo intenso. A intensidade com que ela executa seus atos é por vezes aterradora, assustadora, cheia de ferocidade, sensualidade ou emoção. E acompanhada do crânio vivo de seu pai no seu ombro, que ataca quando necessário, ela se torna uma personagem que desafia qualquer um que entre em seu caminho. Ao mesmo tempo que consegue mostrar sua força facilmente e não ser páreo para praticamente todos que enfrente, ela também é uma personagem sensível, muitas vezes sentindo falta de carinho e afeto, criando assim dois lados de uma personagem absolutamente incrível.

Vale dizer que eu sempre gostei das histórias do folclore brasileiro. Nos últimos anos eu não estive muito envolvido com o tema, mas quando criança sempre que podia estava em busca de ler alguns de nossos inúmeros contos. Ver tudo aquilo muito bem ambientado e colocado com tanta coerência pelo autor, como um plano de fundo consistente para uma história apaixonante, é realmente de despertar orgulho por termos algumas das melhores história folclóricas do mundo. Impossível não se apaixonar por todos os personagens que já existem a séculos na nossa história ou por aqueles criados por Walter.

Ainda há a forma com que o autor trabalhou nossa história. Ela é contada de uma visão bem mais adulta, inserindo os personagens em um contexto que cabe direitinho dentro da temática do livro. Vai da sensualidade, à traição ou planos para enganar quem quer que seja. Acreditem, até mesmo a Morte é enganada na história, e lhes garanto, a Morte ser enganada é um dos pontos importantes da construção da personagem Cira e de toda a história.



O ponto alto da história é o grande confronto final, que se dá no Quilombo dos Palmares e na guerra que, vocês conhecem bem como terminou. Ele encaminha tudo para um final que, lhes digo, me deixou extremamente surpreendido. E pense na minha vontade de dar esse spoiler, pense, mas não farei essa maldade. (Nunca faria, não aqui, em uma resenha que quer fazer com que os leitores leiam o livro rsrsrs.) Enfim, o final é surpreendente e só não derruba toda a estrutura montada por Walter por que essa é uma história extremamente sólida e com praticamente todas as pontas amarradas, que após estarmos mais conscientes do fim do livro, tudo fez sentido. Na verdade, acho que o que quebrou de verdade foi a minha mente depois da reviravolta daquelas cinco últimas páginas. Sensacional!

A edição da Giz está ótima, simples, com ilustrações do próprio autor que deixam tudo mais bonito. Não lembro de ter visto nada de errado com relação à revisão de texto. Parabéns à editora.

E é isso galera, espero que eu tenha despertado a curiosidade de vocês com a obra. Mais do que recomendo. Corram para a livraria mais próxima e dê um jeito de ler Cira e o Velho, você não vai se arrepender.

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